30 março 2005

onde é que se meteu toda a gente?

O homem estava vestido com um fato cinzento escuro, usava uma camisa clara listada de azul e uma gravata às bolas e tinha calçados sapatos pretos de verniz. Estava parado com as mãos nos bolsos das calças. Olhou as letras enormes visíveis numa placa azul na parede cinzenta à sua frente. Letras brancas que formavam palavras. Palavras que o homem sabia eram indicadores de direcções e nomes de locais pois ele estava parado num corredor do metropolitano. Olhou para um extremo do corredor e depois para o outro extremo. Ninguém. Não se via vivalma. O que era estranho àquela hora pois era hora de ponta. Onde se teria metido toda a gente?

Identificou numa das placas a palavra "gare" e seguiu a direcção indicada pela seta. Estranho, a gare estava também vazia. O homem parou a meio e voltou-se para o lado dos carris pois um estridente uivo metálico, como se aqueles túneis fossem o refúgio de algum lobo cibernético indicava a aproximação de um comboio. Este não tardou a parar à sua frente com o guinchar frenético dos travões, das garras metálicas do lobo arranhando o chão também metálico, para se conseguir imobilizar. As portas abriram-se e ninguém saiu. O homem deu um passo em frente e espreitou. O comboio estava vazio. Onde é que se teria metido toda a gente?

Entrou no comboio e agarrou o varão. O comboio partiu imediatamente com um solavanco que o fez oscilar e agarrar com mais força. O homem olhou ao longo da carruagem vazia. Mas onde é que se teria metido toda a gente? Com um estremeção o comboio parou na gare da estação seguinte. O homem aproximou-se da porta a qual se abriu à sua frente e ele saiu para a gare. Vazia.

Voltou-se na direcção que pretendia seguir e caminhou ao longo do túnel mal iluminado que se abria à sua frente. À medida que caminhava sentiu que o pavimento se inclinava para baixo. Estranho, muito estranho... Parou. Seria que estava a sofrer duma queda de tensão? Mas sentia-se perfeitamente bem. Não tinha nenhuma sensação de tontura. Os seus sentidos apurados diziam-lhe que não era ilusão. O chão estava mesmo a inclinar-se! Seria o efeito de algum terremoto? Não lhe parecia pois o chão não abanava, apenas se inclinava, nem se ouvia qualquer barulho. Era como se toda a Terra estivesse a adornar! Tentou voltar para trás e fugir na direcção de onde tinha vindo mas os pés começaram a patinar no pavimento e arranhou as palmas das mãos, numa vã tentativa para se segurar. O túnel estava cada vez mais inclinado. Até que lhe foi impossível aguentar-se de pé e tombando, rodopiou e caiu de costas começando a escorregar ao longo do túnel cuja inclinação era agora muito grande pelo que não conseguia parar. Gritou. A sua velocidade aumentava cada vez mais tornando-se estonteante. Rolou e voltou-se de barriga para baixo tentando com as mãos travar a descida mas apenas conseguiu arranhá-las ainda mais, partir uma unha e perder um sapato. No fim do túnel sentiu que caía na vertical alguns metros e sentiu que algo mole amortecia a sua queda imobilizando-o.
Levantou-se cambaleante tacteando-se e apalpando-se a si mesmo mas não sentia nada partido. Olhou então em torno de si. Encontrava-se numa imensa e gigantesca sala circular, como um poço, de paredes escuras e sujas com aberturas a toda a volta a poucos metros de altura. Era por uma delas que tinha caído. Presumiu que as outras pertenceriam também a túneis. A sala era tão alta que não se distinguia o tecto, mas estava iluminada com uma estranha luz difusa, amarelada. Havia um silêncio mortalmente medonho à sua volta pelo que olhou com atenção. E estremeceu, quase caiu com o choque. Um arrepio gelado percorreu-lhe a espinha. A sala-poço estava repleta com milhares de corpos humanos deitados a trouxe-mouxe uns por cima dos outros, no meio de um agoniante fedor a bedum, aparentemente mortos.
Finalmente sabia onde se tinha metido toda a gente!

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