30 março 2005

o velho ferro-velho

Naquele parque abandonado, que em tempos idos tinha sido um ferro-velho, era possível encontrar um pouco de tudo. Restos de velhos automóveis e motos, carcaças ferrugentas, bicicletas, máquinas de lavar, fogões e frigoríficos, aquecedores a óleo, restos de máquinas de todo o tipo mas que já tinham deixado de funcionar há muitos anos às quais faltavam peças, certamente tiradas por alguém que assim pretendera reparar outras máquinas. E peças diversas espalhadas por todo o chão. A maioria delas impossíveis de identificar.

Era naquele parque que os miúdos do bairro próximo gostavam de brincar. O parque estava há muito fechado e murado. Mas, à socapa, eles tinham feito um buraco no muro, pelo qual se esgueiravam para dentro do parque. Numa velha furgoneta que conservava as portas e os bancos envelhecidos e à qual faltava sobretudo o motor tinham feito a sede do seu grupo, um verdadeiro clã só para iniciados, assinalada pelos grafittis na chapa da furgoneta, na qual só eles estavam autorizados a entrar, sendo a entrada vedada a membros de outros grupos, de outros bairros, que tinham as suas sedes próprias noutros locais. E era tal a guerra entre grupos que poucos membros de um grupo se atreviam a penetrar em áreas dominadas por outros. As regras estavam bem estabelecidas e as punições eram severas. Mas a guerra existia. E todos os grupos faziam por dominar áreas cada vez maiores, submetendo-se uns aos outros através da violência.

Foi dentro da velha furgoneta, em alegre discussão planeando o que iriam fazer no fim-de-semana seguinte para se divertirem, que o enorme robot de aço e plástico os encontrou. Tendo detectado a presença deles, para a furgoneta se dirigiu, em enormes e pesadas passadas. Eles, lá dentro, ouviram barulho no exterior e saíram apetrechados para a pancadaria pensando tratar-se de algum grupo rival que andasse por ali a fazer das suas. Estupefactos depararam com ele, que pelo seu lado tinha parado e os fitava com os seus circuitos a rapidamente analisarem toda a informação que os seus sensores estavam a captar. Era enorme.

Com cerca de dois metros de altura pesava cerca de meia tonelada. O seu corpo era de aço revestido de plástico negro e brilhante. Tinha uma forma vagamente humanóide, com um tronco espesso, cilíndrico, o qual continha as fontes de energia. A cabeça resumia-se a uma esfera cheia de sensores e circuitos lógicos. As pernas eram sem joelhos, assentes numa espécie de mini-tractores de lagartas no lugar dos pés. Caídos ao longo do corpo, articulavam-se dois enormes braços com garras em vez de mãos. Tinha sido construído, juntamente com muitos outros iguais, havia muito tempo para funcionarem na Lua como trabalhadores portuários, estivadores concretamente, no tempo em que ainda havia colónias na Lua antes do Grande Desastre, quando um imenso asteróide saído da cintura e que não fora detectado a tempo de se evitar o desastre se abatera sobre a superfície lunar provocando um abalo equivalente à explosão de uma enorme bomba termo-nuclear, destruindo duas das colónias e provocando a morte a mais de duas mil pessoas.
Os projectos coloniais tinham sido interrompidos tendo as restantes colónias sido evacuadas para a Terra. Todo o material não-humano fora abandonado na superfície lunar pelo que como teria sido possível aquele robot, em primeiro lugar ter alcançado a Terra, e em segundo lugar ter sobrevivido ali sem qualquer espécie de manutenção, pelo menos aparente? Mas, e isso era o mais importante, é que ele ali estava como que descido dos céus.

Como aqueles robots funcionavam comandados pela voz humana não foi difícil aos miúdos porem-no a fazer o que eles queriam. Passou a acompanhá-los por todo o lado.
E assim rapidamente se tornaram o grupo mais respeitado naquele subúrbio daquela cidade, a quem nenhum dos outros grupos se atrevia a fazer frente ou a desobedecer!

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